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segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

O Velho da Bengala









Benvindo em 2008, um Bom Ano para voçês

Anónimo deixou um novo comentário na sua mensagem " Final de Ano - A Noite em Festa":

O VELHO DA BENGALA
Era final de tarde de 31 de Dezembro de 2007, o Sol desaparecia por detrás dos prédios do outro lado da minha rua. Apoiado no parapeito da janela, olhava a rua em baixo observando o vaivém das pessoas e carros que, neste dia, era mais intenso do que o habitual. Daí a pouco realizar-se-ia a famosa corrida de S. Silvestre da Amadora.
No meio daquela gente vi então, um velhinho de barbas brancas que, apoiado na sua bengala, caminhava cambaleando pela rua abaixo denotando grande dificuldade em se equilibrar e também de se orientar, parecia perdido. Fixei então, toda a minha atenção naquela figura e achei estranho que ninguém, ao contrário do que é habitual nestas circunstâncias, o ajudasse a atravessar a rua ou lhe perguntasse se estava a sentir-se bem e se precisava de alguma ajuda. Pelo contrário, vi as pessoas afastarem-se à sua passagem e algumas até o empurravam e insultavam, gesticulando de punhos fechados na sua direcção.
Nessa altura reparei, também, que a circulação automóvel tinha sido cortada e que o número das pessoas que circulava lá em baixo e que ia formando um cordão ao longo dos passeios, tinha aumentado consideravelmente.
Porque a algazarra em volta do velhote ia aumentando à medida que ele caminhava, cada vez com mais dificuldade, pela rua abaixo e porque não era normal aquele comportamento da parte destas pessoas, normalmente, tão solidárias, resolvi descer à rua para ir verificar o que, afinal de contas, se passava.
Questionei algumas pessoas para tentar perceber o porquê de toda aquela animosidade contra aquele velhinho e para, se fosse possível, dar-lhe uma ajuda. Porém, logo recuei nas minhas intenções porque um coro de vozes vociferando em uníssono se levantou dizendo que ele era um malandro sem vergonha e o grande responsável por tudo o que lhes tinha acontecido de mal durante o ano. E como se isso não chegasse, ainda tinha o descaramento de vir para a rua provocar as suas vítimas.
Culpavam-no pelo aumento do desemprego, dos impostos, dos combustíveis, dos bens de consumo:leite, pão, fruta, peixe, carne e todos os outros, pelo aumento das taxas de juro à habitação, pelo encerramento de centros de saúde, maternidades, hospitais e esquadras de polícia, pelas leis que favorecem os ricos e os espertos e desproteje quem trabalha e é honesto, pelos cortes das verbas para a saúde, para a educação e para a habitação, pelas novas leis de trabalho que, cada vez mais, prejudicam os trabalhadores, pela corrupção e finalmente pelo aumento e impunidade da criminalidade. Enfim, tudo lhe era imputado sem dó nem piedade até ao ponto de, eu próprio, tanto ouvir aquele rosário e de ver que o velho nem sequer fazia um gesto para se proteger ou sequer contestar as acusações, acabei por concordar com aquela gente e juntar a minha voz à deles naquele coro de indignação. "Quem cala consente, diz a sabedoria popular!"
De repente ouvi a sirene das motos de dois batedores da polícia que, afastando as pessoas para os passeios, desciam a rua abrindo caminho. Todos os olhares se viraram então para um jovem forte, bem-parecido e equipado a rigor que, acenando às pessoas, corria alegre pela rua abaixo. Atrás dele vinha uma multidão ruidosa que incentivava todos quantos estavam na rua a juntar-se a eles. Assim aconteceu, muita daquela gente juntou-se ao grupo e lá foi gritando de alegria. Na confusão que se gerou, ninguém mais se lembrou do velhote da bengala.
Porque já não tenho vida para correrias, fiquei ali parado, juntamente com um pequeno grupo, vendo a multidão desaparecer ao fundo da rua. Quando tudo se acalmou reparei, assim como os outros, que no meio da rua estava uma pessoa estendida e bastante maltratada. Tinha sido atropelada e espezinhada por aquela multidão desenfreada que, eufórica, tudo levava na sua frente.
Só quando nos aproximámos me apercebi que era o tal velho que tinha sido alvo dos protestos populares. Debrucei-me sobre ele e vi que, embora com muita dificuldade, ainda respirava. Olhou para mim com o olhar triste de quem sabe que o seu fim está prestes a chegar. Nesse olhar percebi um pedido de ajuda ao mesmo tempo que os seus lábios pareciam querer dizer algo. Inclinei-me um pouco mais e ouvi, então, ele pronunciar num sussurro: Perdoem-me, eu não sou culpado, é verdade que fiz tudo isto de que me acusam mas fui obrigado a fazê-lo. Os verdadeiros culpados ainda por cá ficam e não vão parar, por isso, fiquem alerta.
Agarrei a telemóvel e liguei para o 112, eram vinte e duas horas e dez minutos.
Quando o INEM chegou, duas horas e tal depois, já passava da meia-noite e o homem já tinha sucumbido, morrera precisamente quando no relógio da igreja da Falagueira soava o último dos doze toques que assinalavam as vinte e quatro horas.
Ainda assisti ao embarque do corpo na ambulância e, quando lhe desabotoaram o casaco para verificarem se trazia alguma identificação nos bolsos, vi uma chapa enferrujada pendurada ao pescoço por um cordel seboso, que tinha uma gravação, já bastante sumida, que dizia: eu sou o ano velho.
Enquanto regressava a casa, veio-me ao pensamento aquele jovem que tinha passado correndo rua abaixo arrastando, atrás de si, aquela multidão e, então, como que num flash, vi na frente da sua camisola escrito a letras douradas: EU SOU O ANO NOVO. Nas costas, igualmente em letras douradas, li: SIGAM-ME QUE NADA VOS FALTARÁ.
Subia lentamente as escadas quando dei por mim a falar sozinho e a dizer em voz alta: - Pois é! O outro que morreu há pouco, ali na rua, também prometeu isso há um ano atrás, vê lá o que lhe aconteceu!
Liguei a televisão e vi as imagens da euforia de milhares de pessoas, em todo o mundo, saltando em volta do tal rapaz forte e bem-pareceido que, ainda há pouco, tinha passado na minha rua, correndo feliz.

Morreste sem deixar saudade
E de pronto foste esquecido
No trono logo se sentou
Outro Rei, por todos, querido

"Morreu o Ano Velho, viva o Ano Novo! Que floresça colorido e transforme Portugal num imenso jardim, onde todos possam colher as flores!"
Publicada por Anónimo em Placebo a 7 de Janeiro de 2008 22:54

1 comentário:

Anónimo disse...

Para quem possa ter notado pouca disputa poética...

Eu tenho escrito. Tenho sim. Mas nada que valha a pena publicar neste tão querido blog nosso.

Por isso com a ajuda de selecção aqui apresento um poema um pouco em baixo.

"Dormir..."

Não dormi. Deixem-me dormir.
Não quero ir ás aulas aprender,
Apenas quero adormecer na minha cama.

As aulas, não é que não me importem.
Simplesmente já não me fascinam.
Só quero dormir. Não me acordem.

Já desisti de ir a lado nenhum.
Já desisti de enfrentar este mundo.
Já desisti de estar em lado algum.

Prefiro sonhar com a magia
Que aqui não existe.
Deixem-me estar nesta letargia.

07.01.2008